Câncer de colo do útero atinge níveis preocupantes entre mulheres indígenas do Alto Rio Negro

24/04/2025

Imagem: Reprodução

Uma das doenças mais prevalentes entre as comunidades ribeirinhas e nas regiões remotas da Amazônia, o câncer de colo de útero tem impactado diretamente a vida de muitas famílias. A preocupação é crescente entre as lideranças comunitárias, os profissionais de saúde e especialistas. É preciso agir com urgência.

Os desafios na prevenção e diagnóstico

Segundo um estudo divulgado pelo Governo Federal em 2023, a região Norte apresenta a maior taxa de incidência de câncer de colo do útero no Brasil, com 13,45 casos para cada 100 mil mulheres. A escassez de equipamentos, a distância até os centros médicos e a falta de informação acessível e adequada às diferentes culturas indígenas, contribuem para esse cenário alarmante.De acordo com o INCA (2023), o câncer de colo do útero representa 15,4% dos óbitos por câncer entre mulheres indígenas, sendo a principal causa de morte oncológica nessa população. Esses dados evidenciam a urgência de uma abordagem mais eficaz, respeitosa e adaptada às especificidades locais.

A principal barreira no enfrentamento do câncer de colo do útero entre mulheres indígenas é o difícil acesso aos serviços de saúde, com obstáculos geográficos e logísticos que impedem a realização de exames preventivos como o Papanicolau.

Barreiras culturais e a importância de profissionais de saúde mulheres

Além das dificuldades estruturais, há também desafios culturais importantes. Em diversas etnias, o corpo é considerado um templo sagrado, o que pode gerar resistência quanto a exames íntimos realizados por profissionais desconhecidos, especialmente homens. Esse aspecto cultural leva muitas mulheres a evitarem exames preventivos, aumentando o risco de diagnóstico tardio e, consequentemente, de mortalidade.

“Eu senti um leve desconforto, mas sempre tentei ser tranquila nesses casos, pois a principal forma de prevenir o câncer de colo do útero é através do exame preventivo. Eu nunca fiz o preventivo com um profissional homem, mas eu sentiria vergonha caso fizesse”, conta Soraya, do povo Baré.

A presença de profissionais mulheres como médicas, enfermeiras e agentes de saúde, preferencialmente indígenas é essencial para garantir que as mulheres se sintam respeitadas e acolhidas durante o atendimento. Esses profissionais conhecem as especificidades culturais das comunidades e são fundamentais na construção de confiança.

“Muitas sentem vergonha e preferem esconder que estão com algum sintoma, então várias já aparecem com alterações. Tentamos várias estratégias para atrair o público feminino, como palestras e orientações sobre o uso de preservativos. Mas nosso maior aliado ainda é o exame preventivo, capaz de identificar [a doença] no início para seguirmos um protocolo de tratamento. Acredito que a conscientização desde a escola ajudaria muito”, explica Vanessa Gonçalves  enfermeira na UBS do Tiago montalvo em São Gabriel da Cachoeira

É preciso implementar estratégias sensíveis e respeitosas

Há necessidade de se implementar programas de prevenção ao câncer de colo de útero nas comunidades indígenas do Rio Negro de maneira sensível e respeitosa às crenças e práticas culturais. Não basta fornecer acesso aos exames: é preciso abordagens adequadas às realidades das comunidades, garantindo, assim, que as mulheres se sintam seguras e confortáveis ao buscar ajuda médica. 

Uma solução eficaz pode ser a inclusão de mulheres indígenas como agentes de saúde e educadoras capazes de transmitir informações de maneira acessível. Também é essencial a formação de equipes de saúde compostas por profissionais mulheres, especialmente nas áreas de ginecologia e obstetrícia. Essas profissionais, além de sua experiência técnica, têm um papel essencial na construção de um ambiente de confiança, garantindo o sucesso de qualquer programa de saúde preventiva.

O impacto no aumento da mortalidade de mulheres

A perda de uma mulher indígena para o câncer de colo do útero é muito mais que uma tragédia individual. É uma ferida profunda no tecido social e cultural das comunidades. As mulheres indígenas desempenham papéis centrais — como guardiãs do saber ancestral, cuidadoras dos filhos e dos idosos, organizadoras da vida comunitária e preservadoras dos valores espirituais e culturais.

Quando uma mulher morre, toda a estrutura familiar e social se fragiliza. Crianças ficam sem mães, famílias perdem seu alicerce, e comunidades enfrentam o enfraquecimento de sua continuidade cultural.

Cuidar das mulheres indígenas é proteger o futuro da floresta

Lutar contra o câncer de colo do útero nas comunidades indígenas do Rio Negro exige um esforço coletivo que vá além da saúde, abrangendo as esferas sociais, culturais e políticas. É necessário reestruturar o sistema de saúde com base em três pilares fundamentais: acesso facilitado aos serviços de saúde, presença de profissionais mulheres e indígenas, e respeito às práticas e crenças culturais.

Somente assim poderemos oferecer a essas mulheres, que são as verdadeiras guardiãs da nossa floresta, a oportunidade de uma vida mais saudável e digna. Proteger as mulheres indígenas é proteger a floresta, a biodiversidade e o futuro do nosso país. O momento de agir é agora, com urgência, respeito e compromisso com a vida.